domingo, 23 de janeiro de 2011

life is a mistery

Hoje caminhei até a farmácia. É um pouco longe da minha casa, mas gosto de caminhar, ainda que debaixo de sol. No caminho senti uma vontade imensa de fumar. Há meses estou nessas de não-sei-se-paro, será-que-devia-mesmo, portanto tenho fumado apenas em situações sociais, geralmente noturnas, acompanhado de outros fumantes. Pois fiquei, durante minha caminhada, hesitando mentalmente entre o anjinho e o diabinho, ambos a me confundir com suas recompensas e punições.

Comprei o remédio que precisava. O calor era de matar, um sol escaldaante que retirava de minha pele toda a água que me mantinha vivo. Nada mais natural que, tendo concluído minha tarefa, eu entrasse na casa de sucos mais próxima e pedisse um suco de açaí bem gelado. Foi o que fiz. E, na espera pelo preparo do meu refresco, ainda com os pensamentos oscilantes, ouço pessoas lamentando a doença, ou talvez a morte de uma amiga próxima. Motivo? Câncer de pulmão.

Fiquei meio assustado com a circunstância. Tentei pescar mais informações acerca do assunto, mas não consegui entender se a moça tinha morrido de vez ou não. De qualquer maneira, o cigarro era claramente o culpado por toda a situação, pontuando os discursos tal qual um rei de toda a desordem, sujeira e crueldade que existem nesse mundo. Preferi não julgar. Paguei minha conta e saí.

Não acredito em destino, em sinais espirituais ou coisa assim. Mas dentro da minha materialidade eu consigo apreender um pouco de intuição, que pra mim é naturalmente material e físico assim como todo o resto da tal da realidade. Claramente não se tratava de um sinal divino a me dizer “não fume!”, mas algo em mim organizava a coincidência, indagando silenciosamente ao meu corpo: “você ainda pretende fumar mesmo depois dessa?”

Andei, rumo à minha casa. O sol nunca estivera tão quente; meu corpo já havia absorvido por completo o açaí de minutos atrás. Passei em frente a Igreja Central e de súbito ocorreu-me um impulso de entrar e ficar lá dentro, em silêncio, pensando. Não sou religioso e esse impulso me é bastante corriqueiro. Confesso que gosto do ambiente silencioso, frio, impessoal e dolorido de uma Igreja. Imaginei então que aquele fosse um bom momento para entrar ali e desfrutar de uma de minhas experiências antropológicas preferidas, mas meus pés estavam desconectados de minhas intenções e não me permitiram o desvio do meu caminho original. Passei reto pela Igreja. No fundo, queria mesmo é ir pra casa e fugir terminantemente daquele sol.

E na cabeça, como sempre, a imaginação rolava solta, um pouco embriagada pelo sol escaldante: já pensou se Deus realmente existisse e tivesse me mandado sinais como esse do cigarro como esse desde sempre, e eu simplesmente ignorei? Ok, hipótese absurda, mas: imagina se a própria matéria que organiza a vida dá certas dicas que os nossos sentidos são capazes de compreender? Será que vou morrer cedo se continuar fumando? Por que na hora H eu amarelei e acabei não entrando na Igreja?

Minutos depois, esperando o semáforo fechar e cogitando hipóteses metafísicas para a explicação de um fenômeno divino, reconheço uma música tocando em um dos carros parados no sinal vermelho. Era Like a prayer, da Madonna, que proferia as seguintes sentenças naquele instante: “when you call my name, it’s like a little prayer… I’m down on my knees, I want to take you there.” Fiquei boquiaberto com aquilo. Cantei junto enquanto a música ainda era audível, depois atravessei a rua e segui meu caminho, rindo das coincidências deste dia maluco, das nicotinas ingeridas, dos deuses inexistentes, dos cânceres de terceiros, das igrejas que nunca entrei e das ousadas Madonnas que, ao transar com santos em pleno altar, me diziam: você precisa mesmo é de um cigarro, Samuel.

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