sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Manifesto do poeta M.G. enquanto feto

A dor é meu vício e minha arte é feita de sangue. Emolduro o suicídio como se fosse um ato sexual e lambo seus arrredores fazendo cara de quem vai engolir a tristeza e todas suas entrelinhas. Mas tudo o que cai do pedestal da auto-destruição são fracas e sóbrias lágrimas, nascidas de um puro egoísmo. O ritmo da minha dor é pontuado pela música, tal qual a tinta é espalhada pelos pincéis viris de um intor. Sempre soube que música demais, romantismo demais, choradeira demais não me poderiam mesmo fazer bem. Mas, como boa putinha cristã, estou de joelhos pra qualquer coisa que me faça sentir menor que eu mesmo. E sigo nesse fetichismo barato, nessa sugestão lânguida pelo brilho de um bêbado olhar, fingindo que sou muito autêntico em minhas emoções europeias. Tento negar a tradição do velho continente, sua dinastia de sentimentos falsos, sua estética risivelmente pobre, mas tudo que sou é a prostituta renegada que se sente culpada por ser o que é. Tento fugir, mas estou embaixo do pedestal do Deus totalitário, sinto a culpa que me obrigaram a mastigar, enquanto o sofrimento de um Senhor me escraviza do alto de sua cruz. Eu, escravo das emoções ocidentais, brincando de roleta russa, esperando eternamente por uma anunciação do próximo tiro, do próximo sangue, da próxima perda que nunca virá pois a arma é de brinquedo. E a alma também. O sofrimento brinca comigo, manipulando-me como se faz a uma marionete. Sou uma velha boneca de algodão velho, estuprada pela numeração romana dos séculos. Minha dor é tão antiga quanto o orgasmo que gerou o meu cárcere vital. Mas além de velha, minha dor também pode ser novíssima; então, me dou ao direito de doer. Me dou ao dever de doer, e de sangrar bem no meio da apatia coletiva dos tempos. Espalharei minha dor por aí, e vocês vão ter que engolir toda a dor que vocês inventaram, todas as toneladas de sangue divino e higienizado pelo Verbo que tudo criou. E prometo não ser tão gostoso quanto o vinho na taça. Pois não sou filho de meus pais, nem do seu Senhor. O que corre nas minhas veias é a própria humanidade. Sou filho de todos vocês, e meu grito será ouvido quando eu sair dessa placenta.

M.G.

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São Paulo, SP, Brazil
I'm your lover, I'm your zero - I'm the face in your dreams of glass.