sexta-feira, 21 de maio de 2010

POEMA: Êxodus

Sabedoria wikipediática drive-thru,
enterre pra sempre meus gregos homens alucinados.
Já és meu alfa e meu ômega.

Da carne não necessito mais degustar o sangue.
Tentação é sede, e água é pecado mortal.
O leite materno é nojento e ejaculamos em vão.

Quero uma vacina contra as bactérias do sono,
um antídoto para o cansaço das pernas mutiladas.
O supercérebro divino não pode parar!

Desintegro-me em zilhões de k-bites vida afora,
e o mundo agora é uma grande orgia sinfônica
de homens-poeira que tudo sabem e tudo podem.

Nossas cadeias de silício são inodoras e indolores.
Melhores que o Senhor, somos mais que o carbono:
somos o sapiens do sapiens do Homo.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

CONTO: Multidão em mim

Há uma multidão que grita dentro de mim. O problema é que não consigo ouvi-la direito, pois apertei há alguns anos o botão de "mudo" do meu próprio televisor cerebral e os botões do controle remoto aparentemente estão todos quebrados agora. Não consigo retornar a um volume antigo nem alcançar um volume novo, de modo que não posso ouvir o que falam. Só é possível enxergá-los, encarar seus enormes buracos negros que substituem os olhos e suas minúsculas bocas a se contorcer em dolorosas expressões de angústia.

Geralmente são mais silenciosos durante o dia.

Da hora que acordo até a hora que o Sol se põe, eles me olham de maneira séria, mas calma. Os abismos dos olhos são menores e às vezes consigo identificar algum contorno das pupilas, como se os olhos fizessem algum esforço para saltar pra fora dos buracos negros. Ao passo que tenho mais compreensão a respeito deles, eles parecem me compreender mais também. Sabem que meu controle remoto está quebrado e que não consigo me levantar para chegar até a tela. Sabem que eu quero ouvi-los e sabem que não consigo. Tento então ouvir as vozes da minha intuição. Para estas, não preciso do televisor - o que é um alívio. Deixo aflorar a intuição, do núcleo de mim para dentro do eu. Sinto cheiro de expectativas - eles estão me observando e esperam que eu faça alguma coisa. Acreditam em mim. Essa fé me toca, mas me deixa cada vez mais confuso: não sei o que querem que eu faça. Passam o dia todo a me vigiar.

Durante a noite, o clima é de julgamento.

Todos me olham, gritando coisas e apontando o dedo para mim, mas há um deles que se destaca do resto. Sua cor é de um castanho anoitecido, seus contornos possuem uma luz amarela ofuscante e sua aura teria gosto de liderança caso eu pudesse degustá-la. Apresenta-se aos outros fazendo movimentos harmônicos e precisos com a mão. Depois de muitas noites, percebi que se tratava de um maestro. Não entendo dessas coisas, mas quando tento sentir seus movimentos, ouço dentro do meu cérebro cada vibração da música que ele impõe aos outros. É uma melodia imponente, explosiva, oscilante, entorpecedora - mas a multidão que me observa não possui instrumentos para executar o que o regente pede. Eles sequer prestam atenção. Desconhecem a música. Não enxergam o maestro. Seus olhos esburacados o atravessam como se ele não existisse, e caem em cima de mim. Sou fuzilado pelos seus abismos negros e pelos seus berros surdos. Tenho medo do escuro que há neles. Quero inverter a cena toda: deixar o maestro de frente pra mim e fazer com que a multidão fique de costas. Quero tocar aquela música. Quero me aproximar daquele maestro, sinto que ele é a resposta para minhas dúvidas. Sinto que nos olhos dele posso encontrar tudo o que falta para completar aquela sinfonia. Pois ela está dentro de mim, assim como a multidão barulhenta que não consigo ouvir.

Tento alcançar o maestro, tento chamá-lo, mas não consigo me mover. Não consigo gritar. Não me sinto mais capaz. Quero chorar, mas não há lágrimas. Quero voar, mas não há asas. O desespero é tão grande que acaba se tornando pequeno. Com, ele já sei lidar. Já não escuto a multidão, então fecho meus olhos de dentro e tento não enxergá-la também. Até que dá certo: uns contornos ainda aparecem, mas consigo me fechar parcialmente na ilusão de que estou sozinho dentro de mim.

Só me resta o sono. Nele acabo caindo, e por horas me desligo de toda aquela bagunça. Quando acordo, eles aparecem de novo...

E, geralmente, são mais silenciosos durante o dia.

Sou:

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São Paulo, SP, Brazil
I'm your lover, I'm your zero - I'm the face in your dreams of glass.