quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Grito do poeta M.G. enquanto silêncio

As paredes desse lugar me dizem coisas que não posso traduzir. Tudo o que vejo são imagens que foram sempre as mesmas e assim continuaráo sendo. Elas me remetiam a um futuro, a um passado, a um presente. Mas não me remetem mais a nada, por mais que eu mude os pontos-de-vista. São paredes frias, ou talvez quentes, não tenho mais com o que comparar. As sensações opostas, os sentimentos contrários estão todos invadindo uns aos outros em um coito destruidor dos contrastes. Sinto-me chicoteado pela falta de oxigênio, e acorrentado a esses olhos que, secos de tanto verem a mesma perspectiva, já não precisam de luz para distinguir o que há e o que não há. Não posso sair daqui, pois não tenho mais chaves. Jogaram fora, ou mesmo eu joguei fora, aquele eu perdido que sorri enforcando-se com minha chave no pescoço. O passado é uma breve hipótese que mesmo as mais esforçadas lágrimas não poderiam resgatar. Os signos vão sendo ao pouco abortados, e me sinto fraco, inútil, lixo. E, pela inutilização dos meus próprios membros, vou perdendo meu corpo dentro de mim mesmo. Levo minhas mãos ao pescoço e não sinto mais garganta. O meu grito silenciado acena com um distante adeus, em um sóbrio lamento de alguém que simplesmente não pôde. Há transitividade no poder, e estou preso ao reverso, que é intransitivo. Sou o membro decepado que não mais se mexeu, a inarticulação que preenche a impotência. Espero, espero aqui dentro, mas a espera já é também intransitiva, e não há mais o reverso da moeda. Dias, semanas, meses ou anos, já não distingo o instante que passou e o que está por fim. Minha pele borbulha, e a matéria de que sou composto começa a se fundir a substância da qual é feito este velho quarto. Começo a criar raízes, e numa dança insana me contorço e vou fincando fundo o meu corpo nesta terra que não é terra. O chão dilacerado penetra as minhas entranhas invadindo minhas células como a água necessária para a sobrevivência. Derreto, absorvo, estremeço, endureço, desapareço. Lentamente me transformo nestas paredes sujas, nesse cubículo manchado com meus próprios miolos, e tudo que vejo também já sou eu, e não há para onde estendermos a metamorfose. Deixo de ser, agora não mais sou, agora eu somos, agora eu é, agora eu, tu, eles vemos uns cacos meus espalhados pelo chão, pelo teto; vê agora que não mais vejo, que vejo o que sou visto e agora eu derreto no fogo gelado do único mundo que há, e me há a ele.

(uma interrupção torna-se necessária.
o poeta M.G. incomunicou-se,
já que este é o natural comportamento
das mais profundas agonias do ser.
mantenho a assinatura,
pois ainda que sejam guilhotinadas em nossas gargantas
as vozes que podem vir ao mundo,
existe um direito inalienável ao grito que se desejou,
silencioso ou não.)

M.G.

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