terça-feira, 20 de abril de 2010

Kill your idols

(...) de fora da própria literatura, a linguística acaba de fornecer à destruição do Autor um instrumento analítico precioso, ao mostrar que a enunciação é inteiramente um processo vazio que funciona na perfeição, sem precisar ser preenchido pela pessoa dos interlocutores; linguisticamente, o autor nunca é nada mais para além daquele que escreve, tal como eu não é senão aquele que diz eu: a linguagem conhece um «sujeito», não uma «pessoa» (...)

(...) assim se revela o ser total da escrita: um texto é feito de escritas múltiplas, saídas de várias culturas que entram umas com as outras em diálogo, em paródia, em contestação; mas há um lugar em que essa multiplicidade se reúne, e esse lugar não é o autor, como se tem dito até aqui, é o leitor: o leitor é o espaço exato em que se inscrevem, sem que nenhuma se perca, todas as citações de que uma escrita é feita; a unidade de um texto não está na sua origem, mas no seu destino, mas este destino já não pode ser pessoal: o leitor é um homem sem história, sem biografia, sem psicologia; é apenas esse alguém que tem reunidos num mesmo campo todos os traços que constituem o escrito. É por isso que é irrisório ouvir condenar a nova escrita em nome de um humanismo que se faz hipocritamente passar por campeio dos direitos do leitor. O leitor, a critica clássica nunca dele se ocupou; para ela, não há na literatura qualquer outro homem para além daquele que escreve. (...)

(...) sabemos que, para devolver à escrita o seu dever, é preciso inverter o seu mito: o nascimento do leitor tem de pagar-se com a morte do Autor.

BARTHES, Roland. “A morte do autor”.

Peço desculpas publicamente por ter ignorado nosso amigo Roland Barthes por tanto tempo, ainda que esse pedido não seja uma vergonha cega à frente de algo que de repente percebi como verdade absoluta, ainda que esse pedido não tenha um destinatário preciso (e enunciatário, teria?), ainda que eu não conheça tão bem assim os motivos pelos quais peço desculpas.

Por vezes, cometi o defeito lamentável de me considerar mais autor do que, de fato, um escritor. Dotado do maior egocentrismo que posso compreender – e grato a esse mesmo egocentrismo, que, caso ausente de mim, não me possibilitaria chegar a essa conclusão –, encarava meu suposto ofício como um dom, como um poder. Como se eu fosse um Deus criando a realidade, e não um manipulador desse gigante mosaico de recortes lingüísticos da realidade que é a nossa linguagem. Como se a obra existisse dentro de mim. Como se as obras não precisassem de um olhar externo para serem concretizadas como obra.

Entendi repentinamente o que sinto quando meus escritos ficam entalados dentro de mim – e, em consequência, compreendi também o alívio que sinto quando consigo me expressar em palavras. Tenho dentro de mim diversas escritas que só podem se materializar se eu de fato as escrever: não adianta mais seguir vendo-me como um autor onipotente que, no entanto, nada produz. Esse autor não existe. Como pude ter sido tão imbecil?

Talvez seja euforia juvenil, mas quero declarar a morte desse autor. Junto com Barthes. Junto comigo mesmo. Junto a um Eu completamente ofuscado por ilusões românticas que Hegel explicaria bem – mas Hegel entra pra lista de assuntos pra outra hora.

Declaro suicídio. Começa a partir de hoje. 

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