sexta-feira, 16 de abril de 2010

Gelado domingo quente

Uns amigos me convidaram para ver a exposição do Andy Warhol nesse último fim de semana. Adoro a arte do cara e obviamente aceitei o convite, aproveitando-o também como uma oportunidade de dar um passeio pela cidade na qual eu moro e da qual eu tenho visto apenas aspectos como a poluição sonora, visual e material. Poderia ser uma ótima reconciliação minha com São Paulo e nosso amor que estava em hiatus nos últimos meses. Enfim, amor ou não, reconciliação ou não, personificação clichê ou não, é fato que eu precisava sair da bolha em que tenho me encontrado nos últimos tempos – pela qual desloco-me apenas do trabalho para a faculdade e da faculdade para casa – e dar uma voltinha pela metrópole.

Acabamos não indo ao Andy, pois saímos tarde demais de casa e a exposição fechava às 17h. Fomos então para a Avenida Paulista, afinal já tínhamos nos arrumado para sair e estávamos no meio do caminho quando descobrimos que a exposição fechava às 17h – voltar para casa seria um fracasso miserável. Chegando à avenida, percebi com “olhos embotados de cimento e lágrima” o quanto aquilo tudo fazia falta para mim. Falta da grandeza da avenida, de sentir toda aquela globalização asfaltada, a atmosfera entupida de riquezas e criatividade arquitetônica.

Era um domingo à noite e fazia uns 15 °C, então o clima era de passeio, cafés e roupas elegantes de inverno. Pela calçada, os transeuntes dominicais andando de cá pra lá quase ofuscavam a visão dos automóveis. Estes, frenéticos como sempre, retalhavam o ar com suas luzes, fumaças e barulhos em meio ao cinza-noite da avenida, acelerando sem piedade enquanto os pedestres aguardavam, condescendentes, o sinalzinho verde para poderem atravessar a rua.

Em frente ao Center 3, dois artistas de rua se apresentavam, atraindo e embasbacando uma multidão cuja primeira reação seria a de autodefesa desconfiada. Diferente do que os outros aparentam, adoro arte de rua. Sinto-me filosoficamente agredido por seus artistas. Uma agressão dolorida e prazerosa, como se eles atirassem em mim com munições de ilusões, esperanças, utopias e assumissem belamente o peso e a culpa de ser gauche na vida – dos quais sou apenas uma tentativa inútil e atordoada de teórico, pensativo demais para colocar ideologias em prática.

Enfim, a apresentação deles foi um espetáculo à parte. Um dos caras, certamente dono do diafragma mais desenvolvido dos nossos tempos, tocava uma espécie de berrante gigantesco em um ritmo profano e misterioso, enquanto o outro brincava com bolas de cristal, equilibrando-as ao longo do corpo de uma maneira quase sobrenatural e fazendo parecer que as bolas flutuavam magicamente. Um ilusionismo cênico que, misturado à música e à concentração visível no rosto e no corpo do moço, dava à cena algum tom obscuro e transcendental de sexualidade. Aquilo me assustava. Fascinava. Excitava.

Enfim, no Center 3, banalidades agradáveis: conversas com amigos, uma roasted potato e um chá preto awake no Starbucks. Este me deixou especialmente acordado por algumas horas, contrariando minhas expectativas (“sou forte para cafeína, imagina que um chazinho vai me deixar acordado!”) e fazendo com que meu interesse por chás, há muito adormecido, voltasse à tona em um só ímpeto. Anyway, meu interesse por chás e o vício recém-adquiridos por eles é assunto para outra hora.

Depois fomos à Livraria Cultura e por fim paramos para tomar uma cerveja no Charme da Paulista. Em frente ao Charme, um cara tocava violão e cantava, bem alto, músicas do Capital Inicial, Legião Urbana e uns sertanejos que me lembro de ter ouvido eventualmente durante os dezoito anos que vivi no interior. Essa coisa de barzinho-e-música-ao-vivo é coisa que talvez me incomodasse em momentos normais, mas não me incomodou naquele. Nem um pouco. Tudo estava interessante, repaginado, e dentro de mim eu revisitava lugares velhos e os reformava de maneira espetacular. O frio aumentava ao passo que minha alma esquentava – tudo estava confortável, gostoso, prazeroso. Mais e mais.

Não é a primeira vez que relato sentimentos bons ligados à Avenida Paulista, né? Devo mesmo ter alguma relação com esse lugar, talvez por ter sido o primeiro lugar em São Paulo que eu pisei quando viajei pra cá pela primeira vez, completamente sozinho. Lembro que era uma manhã (7h, ou algo assim) chuvosa e gelada – mas isso também é assunto pra outra hora.

2 comentários:

Paulo disse...

Engraçado como tudo soa muito mais belo e interessante aos seus olhos. Será que é só os tons de verde que me sobram na alma mas faltam nos olhos ou eu que sou bem menos verde do que gostaria?

Enfim, que chegue logo a outra hora, quero muito ler seu relato sobre sua chegada em São Paulo! :D

E que sua alma fique cada vez mais calorosa... vamos brindar a isso tomando chá preto qualquer dia desses.

bruna disse...

'olhos embotados de cimento e lágrimas' haha adorei. ai, eu tenho um caso de amor e ódio com porto alegre também. sempre amei, daí fui assaltada na rua de casa no aniversário da cidade. fiquei com ódio. mas tem tanta gente, é tanta vida, em são paulo mais ainda... artistas de rua! porra, adoro também. ai, samu. como você me dói.

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